UM MUNDO SEM INTERNET E A PACIÊNCIA SEM GRATIFICAÇÃO

segunda-feira, maio 30, 2016 Marcos Henrique de Oliveira 0 Comments



Um interessante artigo, intitulado "What Would a World Without Internet Look Like?" (Como seria um mundo sem Internet, que você pode ler aqui), levantou algumas questões bem legais que não conseguimos perceber na nossa rotina de acordar e passar o dia inteiro conectados para repetir tudo de novo no dia seguinte e assim por diante (vale dizer, esta é a definição de "Inferno" para Dante Alighieri e outros escritores onde o Inferno é uma repetição atormentada e eterna do mesmo dia).

A Internet já foi "culpada" por diversos novos hábitos nocivos da modernidade como a falta de atenção aos detalhes, insônia, perda da empatia, isolamento voluntário, solidão virtual, etc. A ideia do isolamento não é nova, o rádio e a televisão já foram os alvos disso no passado mas a Internet estabeleceu uma dinâmica diferente e nada positiva para as relações sociais e pessoais que está passando desapercebida: a nossa concepção cultural pela paciência e pela gratificação instantânea.

 
A base de todo o prazer é a recompensa. Entendemos como recompensa, aquilo que fizemos por merecer, o nosso prêmio por uma atitude positiva ou por um esforço feito para se atingir o resultado. Imagine alguns cenários que hoje não existem mais ou já estão acabando como escrever uma carta, pesquisar somente em livros na biblioteca, viajar para visitar um amigo. A Internet "resolveu" esta suposta "perda de tempo" com um ou dois cliques no Google ou uma mensagem rápida e cordial no Facebook. Mais prático? É óbvio. Mas, nem por isso mais saudável para os relacionamentos.

O que ocorre é a famosa adaptação a qualquer processo que se repete continuamente. Depois do estranhamento, adquirimos o hábito e ele passa a fazer parte do que consideramos necessário. No caso da Internet, é a velocidade. A rapidez da entrega virtual das informações criou a ilusão de que tudo precisa ser assim na vida. Dessa forma, tudo que acontece no mundo real parece mais lento, tedioso e cansativo: a fila no banco, esperar a comida no restaurante, estacionar no shopping, ficar no trânsito e por aí vai.

A primeira perda é a da paciência porque desejamos que tudo funcione com a rapidez de 54,1 megabits por segundo (que é a velocidade na China, a mais rápida do mundo).  

A segunda perda é a da resiliência, a nossa capacidade de enfrentar problemas e superar obstáculos e dificuldades sem cair no nervosismo ou no stress. Portanto, sem paciência, sem resiliência.

Mas a terceira e maior perda é a da afetividade e da empatia. A falta de paciência e resiliência nos relacionamentos em geral já é um fato crônico. E é nessa que vamos focar neste artigo.

TUDO VIROU MIMIMI


Quando perdemos a empatia, perdemos a nossa resposta afetiva para o que o outro está sentindo, nos tornamos mais frios e insensíveis para perceber as diferenças entre uma emoção real de outra fabricada. Sendo assim, é mais provável que a pessoa sem empatia veja tudo como um drama desnecessário e uma grande perda de tempo. Pessoas sem empatia também são mais cínicas e maldosas em seu comentários, tratando as emoções (dois outros e delas mesmas) com desdém.

Na Internet, isso se torna mais comum porque nem sempre as palavras conseguem traduzir os sentimentos de forma genuína (principalmente com tantas gírias e falta de linguagem). A empatia necessita de presença física, aquele olho-no-olho, da leitura corporal e participação interessada.

Quem usa o whatsapp ou facebook sabe muito bem que uma conversa pode ser interrompida durante horas para voltar depois como se nada tivesse acontecido. Essa quebra de conexão, além de cortar o assunto, corta também o seu interesse e atenção. E, seja honesto, você não está dando atenção total para "apenas um assunto", né?

Vale dizer que, sim, existe muito "mimimi" rolando nas redes sociais e na vida real. A questão é saber diferenciar.

SEM PACIÊNCIA PARA RELACIONAMENTOS REAIS


Lembra da tal gratificação instantânea? Pois é, estamos ficando cada vez mais impacientes com relacionamentos longos. Como o objetivo da gratificação instantânea é o prazer, já vamos direto para cereja do bolo (você entendeu) e nada de ficar enrolando. Príncipe Encantado que vem à cavalo, não serve. Ele precisa vir de ferrari e logo. Mulheres que ficam de "mimimi" também estão fora. Conhecer o outro, começa pela cama e o resto se resolve depois. Não é uma crítica saudosista e careta, veja bem.

Relacionamentos de valor só acontecem quando dedicamos tempo (leia, paciência) e interesse real pela pessoa como um todo. A Internet já ajudou a unir muita gente mas "particionou" os relacionamentos na sua sua maioria. Na Era Virtual, conhecemos "partes da pessoa" nas Redes Sociais que já vem "editadas e filtradas" pelo que a pessoa considera o melhor para mostrar socialmente. E nos cantos, não tão mais obscuros do whatsapp, você pode ter uma amostra mais geriátrica dessas "partes", se é que me entende.

É um claro exemplo do prazer sem descoberta, acabou o mistério e também a ansiedade pelo encontro. Existe uma ansiedade mas é a urgência pela gratificação instantânea. Nossa falta de paciência têm gerado verdadeiras "relações precoces" (sem piada) que tendem a acabar antes mesmo de começarem. 

Não existe nenhum conselho que possa ser dado aqui porque cada um escolhe seu modelo de vida mas o fato é que estamos amando com menos qualidade e vivenciando menos ainda o que as pessoas podem oferecer, em troca do que queremos que elas ofereçam, sacou?

FICAR SEM INTERNET NÃO RESOLVE 


Ficar sem Internet seria o mesmo do que viver sem elevadores ou energia elétrica e carros. Seria algo como um apocalipse zumbi para maioria das pessoas. Somos totalmente dependentes das Redes Sociais e tudo mais. Este artigo é para lembrar que toda dependência produz mudanças, conscientes e inconscientes de comportamento social e pessoal. Adultos vão ter que lidar com isso agora e as crianças que estão sendo educadas por esses adultos, terão que lidar com essa perda de paciência e irritabilidade progressiva no futuro. Ou seja que não?

Talvez você acredite que "este é o mundo em que vivemos", que a vida realmente tenha que correr na velocidade da luz porque "tá difícil, olha a crise" e que a frase "quem espera sempre alcança" servia bem no tempo dos seus pais ou avós mas que hoje isso não funciona e a gente tem mais é que ter 36 horas por dia e ainda é pouco. Você tem pressa, eu entendo.

Bom, para isso, temos uma pequena história:

Era uma vez, um reino muito distante. Nesse reino, havia um único poço que fornecia água para toda vila. Sem que ninguém soubesse, uma cobra caiu no poço e envenenou toda a água. As pessoas começaram a ficar loucas. No castelo do Rei (que possuía seu próprio poço), começaram a surgir relatos de que as pessoas estavam ficando revoltadas, dizendo que o Rei era louco e ruim. O Rei, que na verdade, era justo e leal resolveu fazer um banquete na praça da cidade para resolver esse mal-entendido. No meio de uma multidão bem doida, o Rei ofereceu sua melhor comida e para provar que era um "homem do povo", bebeu da mesma água que seus cidadãos.

O Rei também ficou louco e todos viveram "loucos para sempre".

Moral da História: um comportamento que se tornou igual para todos não representa uma verdade absoluta para ser seguida. Até a próxima!!!

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