12 CONTOS - JUNHO
Juno jogou o cachecol contra o rosto para se proteger da brisa fria da noite. Seu hálito quente formava uma pequenina nuvem branca que brigava com o ar gelado. Em pé na rua, de frente para o apartamento de seu noivo, ela esperava.
Anos atrás, Juno se convenceu de que não era este "tipo" de mulher. Sua independência aconteceu cedo, logo após a morte de seu pai, vítima de um ataque cardíaco com apenas 45 anos. Uma menina de 12 anos, sem o pai, precisa saber se cuidar. E ela soube. Afinal, não foi apenas um coração que a doença levou. Juno cuidou de sua mãe e de seu irmão também. Juno cuidou de todo mundo. Juno sempre cuida de todo mundo.
Sentiu vontade de ir embora. Não. Ela tinha que saber. Acendeu um cigarro e olhou para janela do apartamento. Começou a cantarolar uma música baixinho. Juno aprendeu a gostar de música "de verdade" ao 16 anos, quando conheceu um garoto que tocava trompete nas ruas por uns trocados. De repente, tudo passou a ser música, inclusive essa primeira paixão. O garoto só poderia toca-la com a sensibilidade de um instrumento, compreendendo as nuances entre força e suavidade, entre pressão e tempo. Ele não entendeu. E ela o abandonou, dois anos depois. Juno passou mais quatro sozinha, cuidando de si mesma e de todo mundo. E mais dois, para se convencer que precisava de alguém. Foi quando Jove apareceu e mudou tudo.
Jove era bruto como um daqueles ferreiros de filmes da Idade Média. Juno não entendia como aquele homem poderia ser, ao mesmo tempo, dono de um pequeno bar e de uma galeria de arte moderna. Aproximados por uma amiga em comum, não levou muito tempo para que ambos sentissem aquela atração elétrica, comum entre os opostos. A curiosidade virou paixão, que virou romance, que virou um noivado, que congelava Juno, neste exato momento, em frente ao apartamento.
Não era ciúmes. Ciúmes seria uma nota dissonante no arranjo de vida que Juno planejou para si mesma. Ela preencheu todos os espaços vazios com horas e mais horas de academia, música, moda, viagens e tudo que é preciso para não pensar neste vazio. Seu coração aprendeu a dizer "não" para possibilidade de depender de qualquer coisa ou pessoa. Isso a irritava. Culpou Jove por sua angustia atual, pelo frio que sentia e pelo espaço que estava se abrindo dentro dela. Culpou seu pai por ter morrido e sua mãe e irmão por serem fracos. Ia culpar o mundo, se a luz do apartamento não tivesse acendido naquele instante.
Juno aguçou a vista em direção a janela. Uma sombra passou por detrás da cortina. Ela reconheceu a forma grande de Jove. Logo atrás, uma outra sombra de silhueta mais feminina apareceu em seguida. Era isso. Seu destino era ser solo, como um instrumento que se ilumina na orquestra durante alguns minutos para depois voltar para escuridão e o vazio de uma caixa. Juno respirou profundamente, buscando a identidade forjada que moldou durante tanto tempo. Foi interrompida pela toque do celular:
- Juno? Cadê você? Sua amiga está te esperando aqui no meu apartamento faz duas horas!
Juno fechou os olhos e não ouviu mais nada. Com um pequeno sorriso nos lábios, cantarolou uma melodia dos tempos de criança. E pensou como as pessoas podem ser idiotas.
Notas:
Junho é o sexto mês do calendário gregoriano e tem 30 dias. O seu nome é derivado da deusa romana Juno, mulher extramente ciumenta, casada com o deus Júpiter.
Júpiter (em latim, Iuppiter) era o deus romano do dia, comumente identificado com o deus grego Zeus. Também era chamado de Jove (Jovis). Na mitologia romana Júpiter é o pai do deus Marte. Assim, Júpiter é o avô de Rómulo e Remo, os lendários fundadores de Roma. Júpiter é filho de Saturno e Cíbele.
Agradecimento especial para Silvia Ocougne e o fotógrafo Kai Bienert que compartilharam seu talento visual e artístico para imagem que ilustra este artigo. Valeu!
1 comentários:
As vezes as mulheres são assim... rs! As vezes... ^^
Postar um comentário