O SUICÍDIO DE NARCISO E O ECO FRAGMENTADO DAS REDES SOCIAIS
O valor do homem é determinado, em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que se libertou do seu ego. - Albert Einstein
A reflexão sobre o próprio tempo presente em sociedade faz parte dos pensamentos de toda pessoa que permanece antenada com o seu momento histórico, sua presença na realidade que a envolve. É inevitável que uma geração anterior avalie a nova geração, formule teorias sobre o seu desenvolvimento, critique, sugira melhoras e até faça julgamentos, nem sempre acurados, aliás.
O "velho" sempre vai ter algo a dizer sobre o "novo", seja por medo da própria extinção, e por estar sendo substituído, ou por acreditar que pode contribuir verdadeiramente para uma melhor evolução daqueles que vão assumir o seu lugar em um futuro próximo.
A sociedade atual tem recebido enormes críticas em todas as suas áreas de desenvolvimento e pejorativos como "mimada", "consumista", "desinformada", "egoísta", "frágil", "vulgar", "superficial", "volúvel" e por aí vai. Em resumo, parece que nos tornamos todos bebês autocentrados e tiranos, criaturas que vivem apenas pelo e para o próprio prazer em detrimento das pessoas, da Natureza, dos objetos e mesmo das coisas que tanto desejamos. Nós tornamos fúteis, superficiais e arrogantes ao extremo. Verdade ou "golpe"?
Neste artigo, vamos tentar enxergar a sociedade como se fosse uma pessoa e tratar essas suposições como fatos. Seria possível, alguém sobreviver sendo exatamente esse tipo de ser humano?
NARCISSO E ECO: CEGUEIRA E INCONSCIÊNCIA
A vaidade é um princípio de corrupção. - Machado de Assis
Algumas palavras sobre o Mito de Narciso e Eco: era filho de Cephisus (um deus grego dos rios) e da ninfa Liriope que buscou o adivinho Tirésias para saber do destino de seu filho. Narciso (narkhé, torpor) viveria muitos anos desde que nunca visse a própria imagem (conhecesse a si mesmo). Cresceu cada vez mais belo e sem reconhecer ninguém digno de seu amor até o momento da popular imagem acima. Num ato desesperado pela união, se lançou no lago e morreu afogado.
Eco, por sua vez, era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes mas falava demais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra. Em virtude de sua tagarelice, foi punida por Hera, esposa de Zeus, para que sempre repetisse os últimos sons que ouvisse. Essa é a origem do nome dado a reverberação do som ou, como conhecemos, eco.
O nome moderno de Narciso e Eco nos dias atuais, você já sabe, chama-se Redes Sociais.
O ESPELHO TECNOLÓGICO
Sem olhos, sem ouvidos, cegos para o outro como Narciso, tagarelas e não escutados como Eco, prolongamos um modelo que prospera a cada dia: o envolvimento sem toque, o afeto sem o sentimento, a informação sem formação, a opinião sem conhecimento. Somos capazes de fazer petições mundiais pela fome na Somália mas nem damos bola para o bêbado dormindo na calçada.
Jogamos durante horas o game favorito mas não temos tempo para ler um livro na sala de aula. Temos quatro mil seguidores "amigos" no Facebook mas não conseguimos falar sobre nossos sentimentos com quem está ao nosso lado. Sentiu o cenário?
Mesmo assim, a situação não é clara e óbvia para todos. Muito pelo contrário, uma grande maioria acredita que este seria o processo "normal" para qualquer sociedade em evolução. Isso seria evolução(!!!). Se você faz como eu faço, como eu poderia criticar o que você faz?
SOMOS A CÓPIA DA CÓPIA DA CÓPIA
Um dos problemas de Narciso foi a ideia (alimentada pela mãe) de que ele era muito especial. Narciso se considerava único, original, incomparável. É um símbolo para arrogância adolescente e para vaidade extrema onde o bom não satisfaz, precisa ser o máximo. Cada experiência que buscamos hoje (sozinho ou em grupo) precisa ser a maior possível ou de nada vale. O melhor sexo, o amor elevado, a viagem suprema, a balada irada.
Os corpos perfeitos, moldados em academias e salas de cirurgia, são todos parecidos e seguem uma estética definida pela sociedade para atrair mais. Narcisos e narcisas dançam e se expõem como criaturas raras e inatingíveis, lançam sorrisos e olhares lascivos durante toda a noite. Porém, o toque é proibido e reservado apenas para os poucos que podem chegar perto do seu ideal de perfeição, ou seja, eles mesmos.
O que importa é a sedução e não a conquista.
O que importa é ser admirado e não conhecido. O que os olhos admiram, o coração não sente.
Eco, por sua vez, prefere o anonimato das Redes Sociais. Eco gosta de dar um "like" em tudo, compartilhar o que come, onde está, com quem está. Eco adora escrever muito sobre tudo que acha que entende. Também gosta de xingar bastante, reclamar e odiar, usando apelido para esconder a falsa identidade. Eco quer que sua opinião seja ouvida e respeitada pelo mundo todo.
Eco não entende que é apenas um fragmento de si mesma que se projeta na internet, é apenas um retalho de ideias superficiais, repetidas por outros. Eco desconhece que é apenas um Eco. Eco não tem voz própria. Eco é a cópia da cópia da cópia. E se considera única.
CAINDO NA REAL(IDADE) DA ILUSÃO
Suicídio e depressão são o resultado de um sistema redundante. Na linguagem da informática, redundante é um programa ou máquina que precisa ficar rodando e rodando, infinitamente. Narciso fica parado durante dias, olhando a própria imagem. Não come, não dorme, não ama. Eco passa a eternidade chamando por seu amor que não é compreendido porque ela não pode ser ouvida na sua totalidade. A fila não anda para Narciso e Eco. No mundo real, a fila anda bem rápido porque ninguém espera mais o bom ficar ótimo. Somos redundantes e não podemos parar.
Então, se a sociedade fosse uma pessoa nestes termos, como ela seria?
Pense em alguém muito, muito bonito. Pense em alguém que se veste com elegância mas com um toque pessoal no estilo. Pense em alguém que defende os direitos dos animais, das pessoas, da natureza em geral. Pense em alguém com gosto refinado para comidas mas que também aprecia uma coxinha na padaria ou vai no barracão ouvir a escola de samba porque não tem nenhum, nenhum preconceito. Até os passos do funk pancadão ou sertanejo, essa pessoa sabe e gosta de dançar.
Pense em alguém que está sempre sorrindo na selfie que tirou em um lugar incrível, com gente bonita e animada como ela mas que também se mantém antenado sobre os problemas do mundo, do seu país e que luta pela igualdade, fraternidade e liberdade. Pense em alguém que acredita num futuro melhor e critica, sempre com inteligência e argumentos relevantes a política, a sociedade, sempre de forma severa mas politicamente correta quando preciso, é claro.
NO FUNDO DO LAGO-ABISMO
Este é o perfil de todos nós em uma rede social, Narciso e Eco, belos, perfeitos e completos, empoderados e militantes. Somos o sonho de nós mesmos, transformados em meio e mensagem, somos a nossa própria mídia censora que retira o que há de ruim e publica somente o final feliz idealizado da nossa redundância onde cada um é seu próprio desejo e seu própria realização. Somos deuses cegos e surdos.
Porém, muita calma nessa hora. Se esta é uma sociedade de perfil adolescente, frágil e mimada, também é a que ensina. O conhecimento surge na tentativa e erro, tanto quanto no pensamento pragmático. Aprendemos com cada falha do sistema, cobramos mais e interagimos mais nas questões que importam e lutamos por novos modelos de realidade. Seja por curiosidade ou por inconsciência, experimentamos novas formas de comunicação, novos caminhos de progresso.
Talvez em Tirésias, o adivinho cego que era homem e mulher ao mesmo tempo, encontremos a resposta. Sua dualidade nos ensina que é possível ser Narciso e cultivar uma autoestima saudável e sem exageros, se ouvirmos o pedido amoroso de Eco. Precisamos começar a ouvir essa voz interior que profetiza a tragédia anunciada e que chamamos de intuição. Tanto Narciso quanto Eco, sofriam da falta de consciência e visão que Tirésias tinha de sobra.
Cego para um mundo obcecado por si mesmo, Tirésias nos alerta que, melhor do que ficar olhando para o próprio umbigo, é olhar para dentro e descobrir, muito além das aparências exteriores, quem realmente somos.
E tudo pode começar, saindo do social (Outro) e mergulhando no pessoal (Eu), de vez em quando. Experimente e até a próxima!
Eco, por sua vez, era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes mas falava demais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra. Em virtude de sua tagarelice, foi punida por Hera, esposa de Zeus, para que sempre repetisse os últimos sons que ouvisse. Essa é a origem do nome dado a reverberação do som ou, como conhecemos, eco.
O nome moderno de Narciso e Eco nos dias atuais, você já sabe, chama-se Redes Sociais.
O ESPELHO TECNOLÓGICO
Em uma sociedade que se moldou em torno de uma rede que nos conecta ao mundo mas não com as pessoas, Narciso e Eco permanecem como signos vivos do falso contato. Nunca se leu tanto quanto na atualidade, nunca tivemos tanto espaço para dar a nossa opinião sobre qualquer assunto (mesmo quando não somos questionados sobre), nunca tivemos tantas opções de entretenimento e distração (games, música, livros, cinema, literalmente na palma das mãos) e nunca nos sentimos tão capazes e vivos. Ou será que não?Nós não consertamos mais relações humanas, nós trocamos. E ao trocar sapatos, computadores e pessoas que amamos por outras pessoas, vamos substituindo a dor do desgaste pela vaidade da novidade. Ao trocar alguém, creio, imediatamente eu me torno alguém mais interessante e não percebo que aquele espelho continua sendo drama da minha vaidade. - Leandro Karnal
Sem olhos, sem ouvidos, cegos para o outro como Narciso, tagarelas e não escutados como Eco, prolongamos um modelo que prospera a cada dia: o envolvimento sem toque, o afeto sem o sentimento, a informação sem formação, a opinião sem conhecimento. Somos capazes de fazer petições mundiais pela fome na Somália mas nem damos bola para o bêbado dormindo na calçada.
Jogamos durante horas o game favorito mas não temos tempo para ler um livro na sala de aula. Temos quatro mil seguidores "amigos" no Facebook mas não conseguimos falar sobre nossos sentimentos com quem está ao nosso lado. Sentiu o cenário?
Mesmo assim, a situação não é clara e óbvia para todos. Muito pelo contrário, uma grande maioria acredita que este seria o processo "normal" para qualquer sociedade em evolução. Isso seria evolução(!!!). Se você faz como eu faço, como eu poderia criticar o que você faz?
SOMOS A CÓPIA DA CÓPIA DA CÓPIA
A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável. - Jean-Jacques Rousseau
Um dos problemas de Narciso foi a ideia (alimentada pela mãe) de que ele era muito especial. Narciso se considerava único, original, incomparável. É um símbolo para arrogância adolescente e para vaidade extrema onde o bom não satisfaz, precisa ser o máximo. Cada experiência que buscamos hoje (sozinho ou em grupo) precisa ser a maior possível ou de nada vale. O melhor sexo, o amor elevado, a viagem suprema, a balada irada.
Os corpos perfeitos, moldados em academias e salas de cirurgia, são todos parecidos e seguem uma estética definida pela sociedade para atrair mais. Narcisos e narcisas dançam e se expõem como criaturas raras e inatingíveis, lançam sorrisos e olhares lascivos durante toda a noite. Porém, o toque é proibido e reservado apenas para os poucos que podem chegar perto do seu ideal de perfeição, ou seja, eles mesmos.
O que importa é a sedução e não a conquista.
O que importa é ser admirado e não conhecido. O que os olhos admiram, o coração não sente.
Eco, por sua vez, prefere o anonimato das Redes Sociais. Eco gosta de dar um "like" em tudo, compartilhar o que come, onde está, com quem está. Eco adora escrever muito sobre tudo que acha que entende. Também gosta de xingar bastante, reclamar e odiar, usando apelido para esconder a falsa identidade. Eco quer que sua opinião seja ouvida e respeitada pelo mundo todo.
Eco não entende que é apenas um fragmento de si mesma que se projeta na internet, é apenas um retalho de ideias superficiais, repetidas por outros. Eco desconhece que é apenas um Eco. Eco não tem voz própria. Eco é a cópia da cópia da cópia. E se considera única.
CAINDO NA REAL(IDADE) DA ILUSÃO
A personalidade criadora deve pensar e julgar por si mesma, porque o progresso moral da sociedade depende exclusivamente da sua independência. - Albert Einstein
Suicídio e depressão são o resultado de um sistema redundante. Na linguagem da informática, redundante é um programa ou máquina que precisa ficar rodando e rodando, infinitamente. Narciso fica parado durante dias, olhando a própria imagem. Não come, não dorme, não ama. Eco passa a eternidade chamando por seu amor que não é compreendido porque ela não pode ser ouvida na sua totalidade. A fila não anda para Narciso e Eco. No mundo real, a fila anda bem rápido porque ninguém espera mais o bom ficar ótimo. Somos redundantes e não podemos parar.
Então, se a sociedade fosse uma pessoa nestes termos, como ela seria?
Pense em alguém muito, muito bonito. Pense em alguém que se veste com elegância mas com um toque pessoal no estilo. Pense em alguém que defende os direitos dos animais, das pessoas, da natureza em geral. Pense em alguém com gosto refinado para comidas mas que também aprecia uma coxinha na padaria ou vai no barracão ouvir a escola de samba porque não tem nenhum, nenhum preconceito. Até os passos do funk pancadão ou sertanejo, essa pessoa sabe e gosta de dançar.
Pense em alguém que está sempre sorrindo na selfie que tirou em um lugar incrível, com gente bonita e animada como ela mas que também se mantém antenado sobre os problemas do mundo, do seu país e que luta pela igualdade, fraternidade e liberdade. Pense em alguém que acredita num futuro melhor e critica, sempre com inteligência e argumentos relevantes a política, a sociedade, sempre de forma severa mas politicamente correta quando preciso, é claro.
NO FUNDO DO LAGO-ABISMO
Não há graus de vaidade, apenas graus de habilidade em disfarçá-la. - Mark Twain
Porém, muita calma nessa hora. Se esta é uma sociedade de perfil adolescente, frágil e mimada, também é a que ensina. O conhecimento surge na tentativa e erro, tanto quanto no pensamento pragmático. Aprendemos com cada falha do sistema, cobramos mais e interagimos mais nas questões que importam e lutamos por novos modelos de realidade. Seja por curiosidade ou por inconsciência, experimentamos novas formas de comunicação, novos caminhos de progresso.
Talvez em Tirésias, o adivinho cego que era homem e mulher ao mesmo tempo, encontremos a resposta. Sua dualidade nos ensina que é possível ser Narciso e cultivar uma autoestima saudável e sem exageros, se ouvirmos o pedido amoroso de Eco. Precisamos começar a ouvir essa voz interior que profetiza a tragédia anunciada e que chamamos de intuição. Tanto Narciso quanto Eco, sofriam da falta de consciência e visão que Tirésias tinha de sobra.
Cego para um mundo obcecado por si mesmo, Tirésias nos alerta que, melhor do que ficar olhando para o próprio umbigo, é olhar para dentro e descobrir, muito além das aparências exteriores, quem realmente somos.
E tudo pode começar, saindo do social (Outro) e mergulhando no pessoal (Eu), de vez em quando. Experimente e até a próxima!
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