50 TONS DE NADA E A CULTURA DO SEXO BURRO.

segunda-feira, janeiro 28, 2013 Marcos Henrique de Oliveira 5 Comments


"A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais"
Baader-Meinhof Blues - Legião Urbana
"A Europa está um tédio, vamos transar com estilo.
Nós só temos um remédio, descer o Rio Nilo"
Descendo o Rio Nilo - Capital Inicial

De tempos em tempos, algo surge para tirar a gente da rotina. Não importa de qual classe social você seja (ou acredite que está), o tédio da vida vai te alcançar e torna-se essencial sacudir um pouco as coisas. É assim também nas relações mais íntimas, no convívio privado e no sexo. Sem algum tipo de "choque" que produza algum efeito transfomador, o ser humano seria como qualquer bovino que mastiga o tempo até chegar a hora do abate ou da morte. É o caso do novo Best Seller mundial, a Trilogia 50 Tons de Cinza.

Em 1986, um Mickey Rourke sem plásticas e porradas na cara, simbolizou o homem mais sedutor de sua época em "9 semanas e meia de amor" com Kim Bassinger. Em 1992, Sharon Stone cruzou suas pernas para o mundo em "Instinto Selvagem" com o mesmo Michael Douglas que foi perseguido pela amante traída (Glenn Close) em "Atração Fatal" de 1987 e seduzido por Demi Moore em "Assédio Sexual", 1994. E, quase na virada do século, Stanley Kubrick realizou sua última obra-prima ao discutir amor, sexo e casamento em "De Olhos bem Fechados" de 1999 com um abobalhado Tom Cruise tentando entender a alma feminina de Nicole Kidman. Olha só:
 
 

Esta é uma pequena coleção de filmes que podem ajudar a entender um pouco do sucesso (comercial, não literário) de 50 Tons de Cinza no contexto da geração dos anos 80 e 90. Todos são representantes de um modelo mental e sexual da época em que foram feitos e como a mulher era reconhecida por si mesma e pela sociedade. E na literatura?

O Amante de Lady Chatterley é um romance de 1928 escrito por D. H. Lawrence que causou escândalo e censura por apresentar um homem do povo como amante de uma mulher burguesa, sexo detalhado e palavrões de montão. 

A História de O de Anne Desclos foi publicado 1954. Conta a história de "O", uma jovem que se torna escrava sexual e participa, na boa, de orgias e práticas sadomasoquistas. 

Henry Miller (1891–1980)  foi um aclamado escritor norte-americano que contribuiu para Literatura Erótica com a Trilogia "Sexus, Plexus, Nexus" ou "A Crucificação Encarnada". Miller foi amante de uma verdadeira escritora, erótica, Anaïs Nin (1903 -1977) que publicou seus diários na forma de poesia e literatura. A relação entre Miller e Nin foi contada no drama erótico Henry e June (1990) de Philip Kaufman.

Um gráfico muito bem feito sobre as conquistas comerciais de 50 Tons de Cinza tem circulado pelas Redes Sociais. O livro é o sonho de qualquer editor e, como produto, não poderia ser sido melhor. Quando o filme sair (outro produto), deve virar um blockbuster com certeza. Então, qual é a questão?

50 Tons de Cinza é BigMac com Coca-cola. É Rave com LSD. É peep-show com webcan do BBB. É triste de tão ingênuo, se você já assistiu e leu todas as referências acima. O único perigo de 50 Tons de Cinza é a de praticar sexo burro durante os próximos 10 anos. Ou se frustar mais ainda com a necessidade moderna de ser diferente o tempo todo em tudo. E depois, não adianta fazer duckface.

 
50 Tons de Cinza é um fenômeno social na definição apresentada por Kant (1724-1804) onde "os seres humanos não podem saber da essência das coisas-em-si, mas saber apenas das coisas segundo nossos esquemas mentais que nos permitem apreender (capturar) a experiência".

Em outras palavras, é o seu grau de experiência (ou falta dela) que garante o entendimento do que é visto, lido, sentido e observado. Não é apenas cultural, mas também sensorial. Aquilo que você conhece menos, te surpreende mais. O que você ainda não sabe, vira mistério (sedução) e por aí vai.

50 Tons de Cinza faz parte de um gênero que batizei de junk-book. Se comprado, estaria ao lado de qualquer obra de Paulo Coelho ou da autora de O Segredo (Rhonda Byrne, 2007). Assim como junk-food engorda e não possui nenhum valor nutritivo (que é compensado com muito sabor e brinquedinhos), os junk-books não mentem em sua proposta de oferecer apenas o que o leitor espera dele: sexo, intrigas, romance açucarado ou a mistura de tudo isso.


50 Tons de Cinza está sendo lido por meninas (e alguns meninos) menores de idade (estamos na Era da Informação, Internet, lembra?), por donas de casa entediadas e curiosos, muitos curiosos. O ponto importante a ser lembrado (que vai muito além do gênero literário, etc) é a questão da fantasia sexual. Na sua fantasia, o controle da imaginação é seu. Como fica então, a fantasia compartilhada com aquele outro que, nos modelos relacionais de hoje, pode ser um total estranho?

Para terminar, um estudo pioneiro sobre o tema da violência no namoro e no ficar dos adolescentes brasileiros, que teve início em 2007, entrevistou cerca de 3.200 jovens (15-19 anos) em todo Brasil e deu origem ao livro Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do ficar entre jovens brasileiros (Editora Fiocruz). Esta é a frase final que gostaria de deixar para vocês: 

"A pesquisa mostra que, em geral, as agressões praticadas pelos rapazes são mais cruéis e causam danos físicos maiores. Porém, a não ser no caso da violência sexual, que é predominantemente praticada pelos homens, os outros tipos são comuns de ambas as partes." - Cecília Minayo, uma das organizadoras do livro Amor e Violência   

No sadomasoquismo, os parceiros combinam uma palavra-chave ou frase para que o outro saiba qual é o limite de dor que pode ser infligido. Neste caso, minha sugestão é: fique esperto. Até a próxima.

   
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5 comentários:

Unknown disse...

Brilhante, severa, irresistivelmente inteligente e original sua crítica a este fenômeno, denominado por você como "junk-book"! Aliás, vou adotar a nova nomenclatura tudo bem? Parabéns!

Agradeço por ter lido e gostado. É um assunto para muita conversa e reflexão que busquei sintetizar sem ofender a liberdade de escolha do que cada um resolver consumir.

Pode usar sim (rs) e sem hífen! Mais Junk Books nos aguardam no futuro, pode acreditar!

Mozarina disse...

Realmente Marcos , esse comentário serve tb. para outros livros ( considerados nas listas dos mais vendidos ) desse tipo : junk books
Bem definido !!
Mozarina

Neu Oliveira disse...

Que délica de texto. Adorei!

Valeu, Neu! Aproveite para compartilhar :)