O ÚLTIMO CONTO DE NATAL
O fato do médico ter apenas um metro e vinte centímetros, orelhas pontudas e ser totalmente verde-esmeralda da cabeça aos pés, não minimizava a gravidade da notícia: Joulupukki* estava doente, muito doente. Stufur tentou se lembrar quando foi que isso aconteceu. Duzentos, trezentos anos atrás, talvez. Agradeceu ao médico com um movimento de cabeça e foi em direção da sala de espera.
Todos estavam lá: Askasleikir, Bjugnakraekir, Faldafeykir, Stekkjarstaur, Gattathefur, Giljagaur, Gluggagaegir, Ketkrokur, Kertasnikir, Pottasleikir, Skyrjarmur e Thvorusleikir*. Contando com ele mesmo, eram 13 duendes, 13 líderes de suas nações e deveres que deixaram suas casas subterrâneas, suas florestas e cavernas para obter alguma informação de como proceder a partir de agora. Esta informação era mais preciosa do que qualquer pepita de ouro ou diamante que já haviam encontrado. Stufur suspirou.
"Vou entrar para vê-lo", ele disse. Apertou suas mãozinhas de unhas sujas de terra (duendes sempre têm terra nas unhas). Abriu a porta do quarto especial com uma delicadeza de Fada e pegou o banquinho usado pelos médicos para olhar o paciente. Lá fora, as nove renas, lideradas por Rudolph*, batiam seus cascos contra a neve com um tamborilar marcial. Stufur sentiu pena, mas nada podia fazer.
O velho estava vestido com seu pijama vermelho e uma touca branca que lhe aquecia a cabeça. A enorme barriga fazia sons estomacais e a respiração era pesada. O duente olhou para todos aqueles tubos coloridos como bolas de Natal e pensou no exagero de seu povo, que gosta de ver cor em tudo. Depois, colocou a mão no bolso direito e retirou uma pequena bolsinha marrom. Lá dentro, estava o cristal que Joulupukki lhe presenteou na primeira vez que trabalharam juntos, há centenas de anos atrás. "Se eu estiver viajando e não puder falar comigo - disse o amigo - use o cristal e eu ouvirei".
Stufur não tinha certeza se queria mesmo usar desta estratégia. Em seu íntimo, ele suspeitava da verdadeira causa da infermidade de Joulupukki: os Humanos. Os Humanos e seus desejos.
No Início dos Tempos, as coisas eram simples e divertidas: uma colheita boa, um filho perdido que voltava pra casa, um amor que brotava do olhar de dois jovens. Pedidos simples para os duendes e complicados para os Humanos, que complicam tudo mesmo. Joulupukki tornou-se cada vez mais popular e ganhou nomes que Stufur não entendia como "papai", "Noel" e até "Nicolau".
A bem da verdade, toda Legião dos 13 Duendes ficou muito feliz com o trabalho extra e a oportunidade de ajudar Joulupukki. No começo. Isso foi antes dos Humanos ficarem descontentes com o que recebiam. As dádivas simples e de coração foram perdendo seu encanto. Preguiçosos, os Humanos mais velhos instruíam suas crianças a pedir coisas absurdas ou pior, a esquecer de Joulupukki e tratá-lo como um delirio, uma fantasia. As tarefas foram se tornando cada vez mais pesadas. A mensagem de generosidade de Joulupukki permanecia esquecida durante quase um ano humano inteiro para reaparecer na forma de trocas interesseiras e mentirosas. Joulupukki não resistiu.
Nos mil anos seguintes, Joulupukki tentou se fazer presente na vida dos Humanos, mas eles nem queriam saber. Ele sofria por não poder atender o pedido distorcido das crianças que desejavam que seus pais não se separassem, que não tinham onde morar, que ficavam anos esperando para serem adotadas. Crianças com fome e crianças com pena da Terra e da morte das florestas, lagos e mares. Até mesmo Stufur (que é duro como uma pedra) chorou ao ver seu amigo adquirir as "doenças humanas" como stress, diabetes e uma obesidade mórbida como forma de entender todo esse sofrimento. Para Joulupukki, o ato final da generosidade é torna-se igual aquele que pede e deseja. Foi o que ele fez e olha o resultado. Stufur quase queria ficar zangado.
De repente, as renas silenciaram. Stufur ficou tenso. O cristal caiu de suas mãos e rolou pelo chão até a porta do quarto. Lá fora, a Legião dos 13 Duendes fazia um burburinho estranho. Stufur levantou seu nariz pontudo para o ar. Sentiu o cheiro de incenso e mirra. A porta se abriu e um jovem de pouco mais de vinte anos entrou. Dois outros, logo atrás dele.
"Gaspar*?", balbuciou um incrédulo duende. O jovem sorriu e olhou para Joulupukki com carinho. "Não se preocupe tanto, pequeno Rei", disse Melquior, o mais velho dos Três. Baltasar, aquele que chamam de "Mouro", pegou o cristal do chão e indicou gentilmente o caminho da porta para que Stufur saísse.
O que aconteceu, exatamente, ninguém sabe. Uma das renas (que espiava pela janela) contou, fascinada, que uma grande luz branca saiu do cristal, quando foi tocado pelos Três Reis Sábios. O corpo de Joulupukki foi ficando cada vez mais transparente, transparente, transparente e... sumiu! Depois disso, a rena desmaiou.
Hoje, Gaspar, Melquior e Baltazar se revezam na condução das renas e no atendimento dos pedidos do Ciclo de 12 Dias*. Ao devolver o cristal para Stufur, Gaspar se ajoelhou e cochichou no ouvido do duende:
"Guarde, como tem guardado em seu coração, toda a generosidade que aprendeu com Joulupukki nestes séculos e nos que virão. Não se preocupe com a forma das coisas ou como elas acontecem. Para aqueles que ainda acreditam, o Espírito de Joulupukki está aqui."
Stufur guarda seu cristal com todo carinho. Só que agora, ele não fica mais no bolso da calça. Fica perto do coração.
***
Notas:
*Joulupukki é o nome dado ao Papai Noel na Finlândia.
* Nomes, segunda a lenda nórdica, de todos os ajudantes de Papai Noel.
* Rudolph é conhecida também como A Rena do Nariz Vermelho.
* Gaspar, Melquior e Baltasar são os nomes dos Três Reis Magos que presentearam Jesus no Nascimento.
*O Ciclo do Natal (ou ainda Época do Natal - em inglês Christmastide) é uma das temporadas do ano litúrgico na maioria das igrejas cristãs. Normalmente é definido (com leves variações) como o período compreendido entre o dia de Natal até a noite de 5 de Janeiro (Wikipedia).
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2 comentários:
show esse site. vou linkar ao meu blog!
http://garotadistraida.wordpress.com
Legal Vanessa! Seu blog também faz parte da nossa lista "A Gente Gosta de Ler". Feliz Natal e continue com a gente em 2012 :)
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