João Vela contra os Excomungados - Veneno - Cap. 03 de 05 por Marcos H.
Nem mesmo Deus possui o Amor-Incondicional. Afinal, Ele manda as pessoas para o Inferno. - Joseph Campbell - Reflexões Sobre a Arte de Viver, 1991
O sol brilhava forte e majestoso sobre a relva verde da colina. Danya sorria, maravilhada pela visão de grandes borboletas azuis que ensaiavam uma dança no ar. Os sapatinhos lustrados acompanhavam seus pulinhos, dali pra cá, animada com os pássaros e esquilos da floresta próxima. Foi quando o rosto de Danya se iluminou de verdade, ao notar a presença de mais alguém.
- Mamãe!, gritou feliz. Mamãeee!
A menina subiu o restante da colina como se estivesse em uma competição. Ao chegar, quase sem folego, notou algo diferente. Sua mãe permanecia sentada, mãos no ventre e a cabeça baixa, fitando a grama.
- O que foi Mamãe? Não está feliz em me ver?
A mulher deu um breve suspiro, mas não levantou a cabeça. Seus cabelos negros cobriam quase todo o rosto e Danya poderia jurar que ela escondia algo entre as mãos.
- Danya, escute com atenção, falou. Tenho pouco tempo.
Danya franziu a testa. As borboletas sumiram e os pássaros não estavam mais cantando. Uma brisa leve começou a soprar. Danya olhou para cima e viu uma nuvem indo em direção ao sol.
- Não tenha medo, sua mãe disse. Preciso que você seja corajosa, está bem? Confie no homem dourado e apenas nele. Não confie em mais ninguém.
A nuvem escura aproximava-se cada vez mais do sol e a brisa começou a soprar mais forte.
- Por que, mamãe?, Danya replicou. Eu não entendo. Quero ficar com você. Os olhos de Danya se umedeceram. Mamãe, não me deixe!
Danya tentou agarrar as mãos de sua mãe, mas era tarde. Agora um vento forte soprava na colina que escureceu. A nuvem encobriu totalmente o sol e um trovão fez Danya pular de susto. Em um ato de desespero, puxou os cabelos de sua mãe. E gritou.
Nas orbitas vazias, no lugar dos olhos de sua mãe, Danya viu duas serpentes viscosas que saltaram em sua direção. Uma pancada invisível, bateu-lhe no estomago e a jogou para trás. "onde está o sol?", ela pensou.
O corpo de sua mãe rolou para o lado oposto e caiu de lado. Gemendo de dor, Danya olhou para as mãos ensanguentadas de sua mãe e o que elas escondiam: em cada mão, jazia um olho espetado com um alfinete.
***
- Deixe-me entrar, desgraçado!, gritava o Sr. Kedem em frente a porta do quarto da filha. Minha filha está sofrendo!
- Não, replicou o homem calmamente. Ainda não. Seus braços estavam cruzados, mas prontos para qualquer coisa. O velho não iria passar.
Mayer ajudava a segurar o pai aflito. Os olhos pulavam excitados, ora fitando o homem, ora olhando para porta. Sentia-se um privilegiado pela experiência que estava passando. Imagine para quantas pessoas poderia contar tudo isso?
- Escutem, disse o homem. Escutem com atenção.
Mayer e o Sr. Kedem pararam de se digladiar por um instante. Foi então que perceberam: no breve intervalo, entre um grito e outro da menina, uma risada podia ser ouvida. Rouca, zombeteira e maliciosa. Era a risada de um homem.
- O que diabos é isso?, perguntou Mayer sinceramente assustado. Seu privilegio se evaporou totalmente. O Sr. Kedem ficou boquiaberto, num silêncio de prece.
- Quero sua camisa, disse o homem, apontado para Mayer. E o seu chapéu, velho. Depressa!
Fizeram uma troca rápida. O homem amarrou um chicote na cintura e outro, na transversal, sobre o peito. Escondeu tudo com a camisa de Mayer e colocou o chapéu, tapando os olhos. Depois, virou-se para os dois.
- Nem pensem em entrar. Velho, coloque um pouco de água com bastante sal para ferver e aguarde meu sinal. Sem conversa aqui fora.
Os dois confirmaram com a cabeça. Mayer ia fazer algum comentário inútil, mas parou ao fitar os olhos frios do homem.
O estranho abriu a porta do quarto e recebeu uma lufada de vento gelado em resposta. Lá de dentro, uma voz masculina gemeu alto, misto de satisfação e curiosidade. O homem estralou os dedos três vezes e entrou, fechando a porta.
Só quando a porta se fechou, foi que Mayer percebeu que o Sr. Kedem e ele estavam de mãos dadas há muito tempo.
Não perca a quarta parte de Veneno - João Vela contra os Excomungados!
Sobre o Autor:
Marcos H. de Oliveira é redator freelance de publicidade e propaganda e consumidor voraz de livros, música, cinema e arte. http://twitter.com/agentescreve |
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