12 CONTOS - JANEIRO
Janeiro olhou para o líquido negro fervendo na xícara. O café parecia tão quente quanto o sol de verão que entrava pela ampla janela da lanchonete, mesmo sendo apenas sete horas da manhã. Teria que se acostumar com isso. O som da estação de trem, bem ao lado, misturava sons de crianças sonolentas, pigarros de cigarro e malas batendo contra o chão de cimento.
Janeiro não estava partindo, estava chegando. Em sua vida, o verbo nunca mudara. Esse gerúndio de constante movimento como o de uma escada rolante que leva os outros para cima mas permanece no mesmo lugar. Esta seria sua chance de mudar o tempo, matar o movimento. Janeiro poderia, pela primeira vez, estar. Sua pele clara como neve, os olhos azuis e os cabelos loiros e compridos iriam delatar sua origem até que se permitisse deitar ao sol. Seu sotaque estrangeiro seria sedutor para os homens e causa de inveja para as outras mulheres, mas isso não a incomodava nem um pouco.
Levantou-se. Sentia o calor, não só pela temperatura mas principalmente pelas roupas pesadas e inadequadas que usava. Iria comprar roupas mais leves, shorts e biquinis coloridos, blusinhas berrantes. Iria beber algo com frutas e álcool, algo exótico. Hora de quebrar a boneca de porcelana.
Olhou para o relógio da estação. Seu contato estava atrasado. Ele não entendia a urgência de Janeiro, como poderia? O que pode uma pessoa saber da outra por simples conversas na internet? O que ele poderia saber dela, além de comentários e fotos enviadas para causar impressão e realçar o convite para conhecê-la? Por um momento, considerou todos os homens do mundo como imbecis. Depois, lembrou que hoje todos, todos são iguais.
"Sije*?", ouviu atrás de si. Virou-se e o homem sorriu como se tivesse ganho um prêmio na loteria. Janeiro sorriu de volta para este desconhecido com o dobro da sua idade e nem metade da sua experiência. Ele pegou suas malas enquanto falava em um inglês errante que não era a sua língua. Ela respondia no mesmo inglês que também não era seu. Janeiro olhou para o sol e imaginou o quanto iria ter que se demostrar agradecida para ele. Isso não tinha importância alguma. Janeiro não estava partindo. Janeiro chegou.
O nome Janeiro provém do latim Ianuarius, décimo-primeiro mês do calendário de Numa Pompílio, o qual era uma homenagem a Jano, deus do começo na mitologia romana, que tinha duas faces, uma olhando para trás, o passado e outra olhando para a frente, o futuro.
*Sije é a abreviação de Siječnja, o mesmo que Janeiro em Croata.
A trilha para criação deste conto foi o genial "Man with a Movie Camera" da desconhecida banda de jazz-eletrônico The Cinematic Orchestra. Confira: http://tinyurl.com/4crwf6g
Agradecimento especial para Aline Barbosa que enviou a foto original para ilustração deste conto. Valeu, Aline!
Agradecimento especial para Aline Barbosa que enviou a foto original para ilustração deste conto. Valeu, Aline!
2 comentários:
galera, se inspirem neste humilde "caro"redator. caríssimo! não deixem de conferir a trilha. boa tarde!
Quanta poesia ^^
Postar um comentário