Coyote Jazz - Um Matador na NY dos anos 70

segunda-feira, dezembro 20, 2010 Marcos Henrique de Oliveira 2 Comments


INTERATIVO: Para ter uma experiência aprimorada, clique neste link e ouça a trilha durante a leitura: http://tinyurl.com/2codcgf

Agora toda vez que eu respiro minhas costelas doem. Aproveito e acendo mais um cigarro. Devo ter quebrado alguma coisa. Minha mãe não fumava e morreu de câncer do mesmo jeito, então dane-se porque eu sou forte. Sempre fui forte. Ontem no bar, eu fui forte. Nova Iorque é uma merda. Comecei a fumar com nove anos. Meu pai me pegou no banheiro e me deu uma surra. Eu não sou de Nova Iorque, vim fazer um trabalho. Ninguém me chama de covarde numa mesa de bar e sai livre. Um pedinte desgraçado quer um cigarro, eu não dou. Ninguém sabe o que eu faço, não é pra saber.

Dez anos depois, quem bateu fui eu. O velho nem acreditou. A vadia que passa na rua me olha como se eu fosse bonito. A bola branca serviu direitinho na boca do safado. Aí eu sai de casa. Ninguém me faz de palhaço. Meus dentes tem vários buracos que doem tanto quanto as costelas. Aposto que ela nem conhece o Coltrane, essas ninfetas de hoje. Sem dentes, qualquer sujeito arrega. Já é quase meio-dia, tá chegando a hora. Mas ele tinha uma faca, então se achou macho. Não saio com vadia que não conheça o Coltrane*. 

Quando fiz vinte e um, voltei pra casa e dei outra surra nele, só pra não esquecer. Eu não bebo. Não vou morrer que nem o Coltrane e minha mãe, não senhor. Eu quebrei o braço dele em três lugares e fiquei com a faca pra mim, tá aqui no meu bolso. Quase na hora do serviço. As pessoas dessa merda de cidade se olham mas não se enxergam. No exército, você sabe o seu lugar. Eu já fui bonito, a cara do Baker**. Ninguém vem me tirar de idiota. Os amigos dele ficaram me olhando como se eu fosse um cachorro raivoso. Acho que vou usar a faca hoje. Meu pai era bonito até sangrando e minha mãe adorava o Coltrane. Aperto o cinto da calça pras costelas doerem mais. Eu sou forte. Tá na hora, acho.  Eu não sou um cachorro. Eu tenho trinta anos mas acham que sou mais velho por causa da barba. Nunca recebo pelo que eu faço. Não tem problema. Ninguém respeita mais ninguém aqui fora. Eu não saio mais com vadias. Meu trabalho acabou de atravessar a rua. A faca tá quente no meu bolso. Eu não sou mais bonito. Acho que amanhã vou aparecer no jornal. Minha mãe iria gostar disso. O Coltrane também.

“O coiote era um caçador diurno antigamente, mas devido à atividade humana, hoje é mais ativo à noite. Embora seja primariamente um carnívoro, o coiote alimenta-se do que estiver disponível. Os coiotes têm um comportamento social flexível e ajustam seus métodos de caça ao tamanho da presa e fonte de alimento disponível. Normalmente caçam pequenos animais sozinhos e reúnem-se em grupo para abater grandes presas e proteger grandes carcaças.” 

fonte: http://tinyurl.com/245dgd9

Inspiração fornecida por:


Clint Eastwood – http://tinyurl.com/2uk2tkn
*John Coltrane (1926-1967) – http://tinyurl.com/38os6dc inspirado na música A Love Supreme, Pt. 4- Psalm do disco A Love Supreme de 1964 que você pode ouvir aqui enquanto lê: http://tinyurl.com/2codcgf
**Chet Baker (1929-1988) – http://tinyurl.com/yhvn8hy
O Cobrador (1979) de Rubem Fonseca – http://tinyurl.com/27dhk9q

Ps.: Este é um ensaio para criação de um personagem que venho trabalhando. Por favor, deixem seus comentários (doces, amargos e ácidos). Quem sabe, ele não ganha uma história completa? 


2 comentários:

Aline Valek disse...

Acho esse estilo de narrativa particularmente atraente. Disconexo como os pensamentos realmente são. Hipertextos, não lineares. Especialmente quando o narrador é um personagem amargo como esse. Leio e sinto o cheiro de poeira, couro sujo e tabaco. É real, sensorial.

Parabéns. E esse personagem merece sim uma história inteira.

Beijos.

Valeu, Valek! Confira a seção CONTATO se quiser participar do AGE como colaboradora em 2011, ok? Espaço aberto para você. Bjs!