ME ADICIONA E A ARTE DE CONSUMIR PESSOAS NAS MÍDIAS SOCIAIS

segunda-feira, novembro 06, 2017 Marcos Henrique de Oliveira 0 Comments


Você tem um segundo para aprender a me amar; você tem a vida inteira para me devorar. - Cazuza
Ei, você sempre esperou por isso e agora, finalmente, o futuro chegou: A aldeia global que o filosofo Marshall McLuhan conceituou em 1962 virou realidade com a Internet (o cientista Tim Berners-Lee, do CERN, criou a World Wide Web em 1992), os smartphones vieram logo em seguida e, como se ainda não bastasse tantas maneiras para a humanidade se unir, alguns espertinhos visionários criaram o Facebook (2004), o Twitter (2006), o Instagram (2010) e muitas outras funcionalidades para ficarmos cada vez mais juntinhos, felizes e harmoniosos.

Só que não.

Cientistas sabem que todo experimento, assim que sai da teoria para prática, sofre uma transformação que pode ser radical para sua ideia original. Foi assim com a fórmula de Einstein que desejava expandir o nosso conhecimento do Universo mas deu origem a bomba atômica. As boas intenções do progresso também possuem o seu lado infernal que se aproveita do que temos de melhor e pior para garantir a sua própria existência nefasta. O progresso só pode sobreviver pelo consumo e o consumo sempre vai precisar de material para ser consumido. E que matéria-prima melhor do que as pessoas?

Opa, mas não "qualquer pessoa". Quanto melhor a matéria-prima, melhor o produto final, certo? A natureza humana sempre buscou a evolução e não dá pra evoluir (uma outra palavra para o progresso) sem uma referencia do que é "melhor". E no momento atual, esse melhor se transformou em quem faz sucesso, ganha muito dinheiro e sempre aparece "bem na foto" do Instagram e das Mídias Sociais em geral. Bem-vindo a Era da pessoa-produto.

AS MÍDIAS SOCIAIS COMO REPRESENTAÇÃO DA CULTURA


[...] Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? [...] Que mais queres tu, sublime idiota? - Machado de Assis
Cerca de uns 30 ou 40 anos atrás, a ideia de seguir a vida de conhecidos e desconhecidos de maneira quase psicopata seria impensável porque daria muito trabalho e as pessoas estavam mais interessadas era na própria vida mesmo. Sem internet, celulares, estradas expressas ou carros e navios rápidos, o ritmo da vida poderia ser considerado muito monótono pelos padrões atuais. Basta assistir um filme produzido nos anos 50, 60 ou 70 (se você tiver paciência) para perceber isso.

As cartas demoravam séculos para chegar, os jornais e o rádio eram as principais fontes de informação e um artigo de luxo chamado televisão só estava disponível em poucas residências. Viver era existir e o consumo, de qualquer coisa, significava apenas manter essa sobrevivência da melhor forma possível. Assuntos sem importância eram para os ricos ou para conversa fiada nos salões de beleza e barbearias porque todo mundo tinha mais o que fazer. O progresso para a construção da chamada "civilização moderna", engatinhava.

Livros, contos e novelas publicadas nos jornais, e folhetins ou ouvidas por toda a família pelo rádio, além do cinema e do teatro, eram as mídias sociais da época. As celebridades eram pessoas que realmente trabalhavam e faziam alguma coisa para inspirar a imaginação das "pessoas comuns" e artistas da música como Elvis Presley, Beatles e Bob Dylan eram devorados por uma juventude idealista e conectada com as questões sociais.

Em resumo, as mídias sociais de outras épocas representavam verdadeiramente a cultura vigente, alimentavam os movimentos transformadores da sociedade e serviam como base para as grandes mudanças futuras. Sem acesso as facilidades da comunicação que temos na atualidade, as pessoas eram mais seletivas, interessadas e espontâneas. Elas precisavam "Ser". A pergunta é: por quê você não precisa?

OS STALKERS DO CANIBALISMO DIGITAL 


Se eu quiser fumar eu fumo, se eu quiser beber eu bebo
Eu pago tudo que eu consumo com o suor do meu emprego
(...) Mas digo sinceramente, na vida, a coisa mais feia
É gente que vive chorando de barriga cheia - Zeca Pagodinho
A base para o consumo é que você tem o "direito" de consumir o que quiser e que isso significa liberdade. As ferramentas de marketing e publicidade criam a ilusão que você "merece" ter algo porque, afinal de contas, você trabalhou muito por isso. Pior ainda, você merece porque nunca teve e precisa "se dar" esse presente. As "iscas" da publicidade para que você enfie o pé na jaca, neste momento, são a felicidade, o sucesso e o reconhecimento. Todo produto vendido hoje, promete a felicidade. Já vi até espaço no cemitério prometendo isso. Felicidade, sucesso e reconhecimento são a formula para uma vida invejável, outra característica importante do consumo. 

A inveja, mais conhecida como "o "desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia" ou "o desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é do outro" é o que movimenta grande parte das mídias sociais e dos perseguidores (stalkers) da vida digital. Ninguém vai se confessar invejoso, nunca. Isso seria reconhecer a própria fragilidade emocional, a própria infelicidade de uma vida comum e patética que apenas sobrevive. Bora, então, adicionar 500 pessoas no Facebook, compartilhar pratos de comida e viagens no Instagram, reclamar no Twitter da bolsa ou do vestido caro que a artista usou no casamento. "Falem mal mas falem de mim" sempre foi e será uma grande estratégia para o consumo dos outros e de si mesmo. 

DECIFRA-ME OU DEVORO-TE 


Assim como a mulher da mídia deseja ser um objeto de consumo, como um eletrodoméstico, um avião, uma "máquina" peituda, bunduda, sexy (mesmo se fingindo), também o homem da mídia deseja ser "coisa", só que mais ativa, como uma metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente e, mais que tudo, um grande pênis voador, um “passaralho” super potente, mas irresponsável e frívolo, que pousa e voa de novo, sem flacidez e sem angústias. O macho brasileiro tem pavor de ser possuído por uma mulher. Não há a entrega; basta-lhe o "encaixe". O herói macho se encaixa em heroína fêmea B e produzem uma engrenagem C, repleta de luxos e arrepios, entre lanchas e caipirinhas, entre jet skis e BMWs, num esfuziante casamento que dura três capas de Caras. E, ainda por cima, atribuem uma estranha "profundidade" a esta superficialidade. - Arnaldo Jabor (talvez)
Se declarar como alguém que não consome alguma coisa, seria de uma hipocrisia terrível. Supostos intelectuais adoram ser do contra, detonar os programas populares que passam na tv, novelas, as músicas da moda, etc. Mas eles também sabem que conseguem vender mais livros e curtidas nas Redes Sociais com essa postura de "contracultura". Ninguém escapa do consumismo. Ninguém.

Porém, consumir pessoas é um pouco diferente. O canibalismo moderno não devora corpos, devora ou molda as mentes dos que mentem para si mesmos. A ideia propagandeada de que "se ele pode, eu posso" representa um pensamento de manada, aquele onde todos seguem uma ideia comum, sem individualidade. Junte isso com o atual paternalismo inclusivo que circula pelas Redes Sociais e você vai ter um monte de gente acreditando que sabe cantar, dançar, fazer comida ou jogar bola. Com certeza, vários sabem e outros são apenas razoáveis. Na inclusão paternalista e condescendente, os razoáveis se transformam em celebridades instantâneas porque servem como objetos de consumo e mídia para outras pessoas que querem ser (wannabe) como eles. É um ciclo de consumo vicioso e difícil de escapar.

A solidão nas Redes Sociais e na vida real fora dela é uma realidade que se pode medir nos números dos amigos adicionados nas diversas mídias, nas curtidas e na necessidade humana de se mostrar vivo, saudável e sempre feliz ou até mesmo miserável e descontente. É o que temos pra hoje e a psicologia social ainda está tentando entender esse fenômeno. A identidade-mídia ainda precisa ser decifrada. Enquanto isso, querendo ou não, somos todos canibais. Até a próxima!


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