A MORTE DA LAGARTA E O ABANDONO PELA MATURIDADE

segunda-feira, abril 11, 2016 Marcos Henrique de Oliveira 0 Comments


Treine a si mesmo a deixar partir tudo que teme perder. - Yoda

Neste exato momento, a sua vida ou o destino está preparando uma perda. Algo ou alguém será retirado de você. Algo importante, algo que você julga essencial. É difícil de engolir, é duro de acreditar e também é inevitável. Ninguém gosta de falar nisso e a internet está cheia de artigos "pra cima" e aqueles textos e frases horríveis de autoajuda que mantém você infantilizado e despreparado para entrar no "casulo" que se aproxima. Considero um desrespeito. Bom, pelo menos para quem se interessa pelo próprio desenvolvimento emocional e intelectual.

Não, este artigo não é sobre a morte (isso seria óbvio demais e, pra ser sincero, meio chato). Para sentir uma perda e as transformações que ela desenvolve, você precisa estar vivo, muito vivo.

Você se sente vivo hoje? Então vamos falar sobre as perdas. Prepare-se.



Alguma coisa explodiu, partida em cacos. A partir de então, tudo ficou ainda mais complicado. E mais real. - Caio Fernando Abreu

O Ciclo de Vida da Lagarta é uma referência conhecida e um simbolismo, até meio batido, para as mudanças que passamos no decorrer da nossa existência para virarmos, digamos, algo melhor e mais bonitinho (como uma borboleta). O foco é sempre o resultado (a borboleta) e a lagarta, coitada, permanece menosprezada como apenas um aspecto menor de todo esse processo. É como olhar para uma enorme árvore e esquecer que ela veio de uma pequena semente. 

Essa é a nossa primeira perda: reduzir ou ignorar os pequenos acontecimentos que deram cria aos grandes resultados, sejam eles, positivos ou negativos. Portanto, esqueça a borboleta e foque na lagarta. 

Para o que você chama de raciocínio, a Natureza deu o nome de instinto: salmões voltam para desovar onde nasceram, pássaros migram para pontos mais quentes e as lagartas se preparam para entrar na pupa (casulo), tudo inconscientemente. Não vou debater aqui se os animais possuem inteligência ou sentimentos, etc. Trata-se de algo que eles precisam fazer. Simples assim. Nós, seres racionais, não temos tanta sorte e brigamos com o chamado para o crescimento.


Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. - Leonardo Boff

Partir significa abandonar e toda a perda é um abandono. Em um dado momento, deixamos a infância, a adolescência, a juventude e tudo que representa cada uma dessas fases. Diferente dos outros animais, lutamos contra a perda existencial, racionalizando os eventos ("é assim que tem que ser", "isso faz parte da vida") ou mantendo um saudosismo sofrido sobre o passado ("quando eu era mais jovem", "na minha época"). E nenhuma dessas opções leva a reflexão, apenas ao embotamento afetivo.

Nos importamos cada vez menos com essas fases de relevante valor para saúde emocional e psicológica de qualquer ser humano (principalmente das crianças) porque, não importa se você fez botox ou comprou um carro novo ou aderiu a uma dieta diferente, existe uma perda nova te aguardando na esquina. E se ela não for refletida, pelo que é, você vai repetir o processo de negação novamente e de novo e de novo. Como mudar isso?


Uma perda pode converter-se num benefício e um benefício, numa perda. - Textos Taoístas

A pessoa que perde, perde a si mesma. Perde aquele pedaço seu que foi compartilhado ou transferido (de boa vontade) ao objeto ou pessoa perdida. Ao perder parte do que acreditamos ser nosso (o que até certo ponto, é verdade), nos desestabilizamos. É um desequilíbrio pela dor que nos diz que algo está errado. Por sermos ocidentais, nosso temperamento é mais latino e emocional, nossa entrega para o sofrimento é mais fácil do que para os orientais, por exemplo. Perda e sentimento caminham juntos, tecendo o seu casulo em volta de nós na tentativa da compreensão que poucos conseguem porque compreender é cair na real.

A vida precisa do vazio: a lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta. A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida. Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito. E as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas. A maioria acha o contrário; pensa que o bom é ser cheio. Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria e falam sem parar. São umas chatas quando não são autoritárias. Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar. A essas pessoas é fácil amar. Elas estão cheias de vazio.
E é no vazio da distância que vive a saudade...
- Rubem Alves

Você não perdeu um objeto ou pessoa: perdeu a parte de você (racional ou amorosa) que se conectou com eles. Você perdeu a entrega e o resultado de tudo aquilo que investiu durante boa parte da vida. E isso dói. Esse é o vazio. Esse é o casulo.

 
Porém, ao perder você na pessoa e a pessoa em você, algo pode mudar. Se você permitir, coisas interessantes podem acontecer. A ciência e a medicina já explicaram que o corpo, de maneira muito inteligente, "se fecha" quando algo está errado. Ele precisa buscar, procurar e corrigir o problema. Ele entra em foco. Nada mais importa. No casulo da lagarta, o exterior é esquecido, inexistente. O foco é no trabalho interior, na transformação completa do ser que vai sair dali.  Nesse momento especial, o centro é você, lagartinha.

Qual é o "ser" que você deseja que saia de você? O tempo que desperdiçamos ao tentar apresentar ao mundo, algo que se demonstre adequado e conhecido é de uma dor desgastante para quem já passou por isso (o nome é adolescência). Nenhuma borboleta nasce igual, mesmo que seja da mesma espécie. O desenho das asas é como um DNA, cada uma tem as suas. A nova borboleta já sai do casulo, pronta para voar e fazer a sua parte. Nós, que azar, precisamos aprender. Ou talvez não.

 
Não existe triunfo sem perda, não há vitória sem sofrimento, não há liberdade sem sacrifício. (O Senhor dos Anéis) - J.R.R. Tolkien

Sempre tem algo "pegando" com a gente. Pode ser desemprego, problemas familiares, falta de um amor ou perda do amor que se tem, grana, mudança de residência e outras milhares de coisas assim. A psicóloga Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004) desenvolveu um trabalho extraordinário sobre as Fases do Luto (Negação, Raiva, Barganha, Depressão, Aceitação) para quem estiver interessado. Mas, como eu disse antes, este artigo é sobre a vida e mortos não tem mais problemas. Pelo menos, não como os nossos.

A maturidade da consciência (que é diferente do conceito de "ser adulto" no mundo) pede abandono. Procurei evitar o termo Ritual de Passagem até esse momento por ter uma referência muito religiosa, mas o lance é esse mesmo. Assim como você, eu também tenho pessoas que desejo que estejam comigo para sempre (não estarão) e partes de mim que não desejo abandonar (mas que, um dia, irão partir). "Que será, será", como diz a canção. Não evite o ritual e prepare-se para o seu casulo adequadamente, quando ele surgir. Não vai evitar o que vem por aí mas pode ajudar bastante.

Isso se chama aceitação e só vai parecer depressivo se você permitir. Fugimos do vazio na vida moderna como o diabo da cruz. Nos enfiamos em grupos e mais grupos nas redes sociais para evitar a falta de assunto e afastar o tédio ou a solidão. Pessoas passam décadas, lamentando suas perdas, completamente desconectadas de quem aqui ficou e também precisa delas. É o vazio pela ignirância de que ainda existe muito mais para se conhecer e transformar. Todo espaço pede preenchimento e a sabedoria de como fazê-lo. Não é fácil, mas necessário.

Feliz é a lagarta que sabe o seu destino e não briga com ele. Feliz é aquele que mantém algum vazio dentro de si para entrada do novo e com sorte, novas asas. Até a próxima! 

Haverá eterna perda por todo conhecimento e capacidade não alcançados, que poderíamos ter ganho. - Ellen G. White
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