12 CONTOS - ABRIL

segunda-feira, abril 04, 2011 Marcos Henrique de Oliveira 1 Comments


Avril* olhou para o fundo da taça apenas como um mecanismo de sedução. Naquele momento, ela sabia: a semente estava plantada. Meia hora antes, no começo desta festa entediante, Avril prometeu a si mesma que não seguiria a rotina das outras "caçadoras" com suas joias emprestadas e maquiagem de guerra. Suas mãos, pequenas e delicadas, não apresentavam dedos pontudos pintados de vermelho ou aquele rosa ridículo usado por lolitas balzaquianas. Seu vestido não ressaltava as curvas do corpo nem corrigia formas. Nada disso tinha importância para ela.

O irmão do noivo arrumou a cadeira como desculpa para uma aproximação. Mexia as mãos ao falar, dando destaque ao relógio caro. Balançava a cabeça para que os cabelos fartos fossem percebidos e abria os braços em gestos programados para causar impressão. Avril ria por dentro deste pavão ambicioso e lançava um sorriso de promessas. Nada mais excitante do que reduzir um homem adulto a um poço de desejos lascivos, a um primata orgulhoso e competitivo. Avril quase sentiu uma ternura materna por ele. Quase.

Ao jogar-se contra o banco de trás do carro e sentir o perfume amadeirado que se misturava a loção pós-barba, Avril pensou se valeria a pena encenar o papel de menina inocente e chocada, de garotinha seduzida pelo macho alfa. Talvez o contrário, quem sabe? Jogar-se de encontro a seu membro, arrancar um ou dois botões da camisa, soltar suspiros de exaltação em louvor a sua masculinidade, fazê-lo achar que é uma dessas garotas que gostam de ser amarradas com uma gravata ou pelo cinto, essas coisas de revista feminina. Não. Nada disso. Avril pensou melhor.

O olhar de um homem destronado e confuso é bem mais divertido. O rosto vermelho de paixão se apagando para voltar a um branco de guardanapo usado, a um utensílio descartado, garfo sujo de bolo, arroz de festa, um infeliz. Ela ajustou o vestido novamente para posição correta e lançou o mesmo olhar da taça. O macho alfa agora era um criança sem brinquedo, irritada e de gestos brutos, sua natureza verdadeira. Avril passou a mão por seus cabelos com suavidade para completar o sacrifício e deu-lhe um leve tapinha no peito. Ele suspirou, eternamente faminto e derrotado. Avril sorriu. Sempre será assim. E assim sempre será.

*Avril é abril na língua criula-haitiana. Abril é o quarto mês do calendário gregoriano e tem 30 dias. O seu nome deriva do Latim Aprilis, que significa abrir, numa referência à germinação das culturas. Outra hipótese sugere que Abril seja derivado de Aprus, o nome etrusco de Vénus, deusa do amor e da paixão. É por esta razão que surgiu a crença de que os amores nascidos em Abril são para sempre. Outra versão é que se relaciona com Afrodite, nome grego da deusa Vênus, que teria nascido de uma espuma do mar que, em grego antigo, se dizia "abril".

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Agradecimento especial para Caroline Carelli que enviou a foto original para ilustração deste conto. Valeu Caroline!

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