Coração de Estudante - O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder por Aleluia Oliveira

sexta-feira, fevereiro 18, 2011 Marcos Henrique de Oliveira 0 Comments

Livros são bons companheiros e ninguém negaria isso. Ouvintes, calados, porém sábios e confiáveis. Lembro de algumas "cenas"marcantes do livro "O Mundo de Sofia,"do escritor norueguês Jostein Gaarder. Esta obra é uma das metaficções mais bonitas que conheci e beira entre o romance e a filosofia. Nesta época, ao lado de Deise, uma amiga de adolescência, freqüentava a Tend Ler, uma locadora de livros situada na Barra, um dos bairros praianos mais bonitos de Salvador. Pagávamos, a depender do livro, R$ 2,30 a R$ 5,00 para ficarmos uma semana com o livro em casa. Ah! e pagávamos antes…bom lembrar.

Era, sem dúvida um ótimo exercício de persistência e leitura, pois já tínhamos investido tempo e dinheiro num livro que não seria nosso para sempre. Haveríamos de devolvê-lo, cedo ou tarde. Mas, de qualquer forma, ele seria lido e isso já valia para qualquer livro.

Estava na oitava série e vivia ansiosa para crescer. Sair do primeiro grau e entrar no segundo era motivo de ansiedade, medo, pressa, alívio, responsabilidades, etc. Lembro que quando avistei a capa de "O Mundo de Sofia" na prateleira, confesso que fiquei curiosa. Primeiro, pela robustez do livro, que logo me impressionou. Depois, pelo título. Fiquei, então, a pensar: Quem será a garota com tanto a dizer? Escolhi e fui direto ao caixa. 

O fato de ser uma romance ajudou muito e o mistério envolvendo os bilhetes filosóficos era motivo para aprofundar e escarafunchar cada coisa que o autor contava. Como esta seção não é "Bico de Pena", não estenderei comentários sobre o livro. Só adianto aos que por ventura tiverem interesse pela obra, que trata-se de um romance, regado a muito mistério, ficção, aventuras e muitos ensinamentos.  

No capítulo A Cabana do Major, Sofia resolve cortar os caminhos da floresta e vê um lago do outro uma cabana. Ela atravessou o rio usando um barco a remo. Quando chegou à casa, resolveu entrar, já que bateu e ninguém abriu. Perscrutou vários cômodos e objetos da casa até voltar-se para um grande espelho envolto por uma moldura de latão. Nele, a superfície era opaca e irregular, por isso seu efeito pouco nítido.

Sofia fazia várias caretas ao espelho e a imagem refletida imitava todos os seus gestos, até o momento em a surpreendeu, ao piscar os olhos sem que Sofia o fizesse. A garota recuou sobressaltada, por não entender a autonomia da própria imagem. A outra Sofia estava ali, a vê-la, mesmo que do outro lado. A personagem, por sua vez, tremendamente assustada e surpresa, permaneceu ainda muitos dias a pensar naquela e em outras vivências inusitadas, ocorridas naquela cabana.

Seja em qualquer cabana, caverna de Platão, Cabala ou aldeia contemporânea, nossa imagem estará sempre prestes a chegar antes de nós, ou pelo menos antes de nós termos controle sobre este processo. Platão já dizia isso de outra forma: Ele diria que, através dos sentidos, tudo é propenso à corrosões, tudo "flui"e passa. Mas, diante das idéias, tudo é imortal, eterno. E é dele que floresce vida e energia para os mundo dos nossos sentidos.

Desde cedo, somos forçados a saber logo quem somos, para onde queremos ir, de que forma, etc. Em todo lugar, as crianças desde muito cedo devem saber o que querem, e talvez por isso logo aprendam a se posicionar, até mesmo diante dos pais. Então, o "eu" é logo forçado a dar as caras. Tem-se uma falsa impressão de que isso nos fará mais fortes, sim, pode até ser, uma força muito parcial. Fortes, mas não sábios e poderosos. 

Obviamente, sempre será necessário que o mundo inteiro compartilhe isso, pois o espelho é a prova de que todos vão saber, notar, avaliar, gostar, odiar ou não. Sempre vai ter uma opinião sobre você. Até você mesmo! Parece cruel, mas na fábula da Sofia do livro, era a mesma coisa. 

A personagem estava aprendendo, descobrindo o mundo, os pensamentos e a si mesma. Ela não era mais a mesma. A autonomia do espelho queria dizer ou sinalizar que a " imagem " dela própria também mudara, mesmo que na cena se mostrasse a ela mesma. Isso não significa que, de alguma maneira um outro ser que não fosse ela mesma notaria isso, cedo ou tarde.

A verdade é que não temos o controle da imagem, ou seja, desta força irradiada. E ela sempre chega antes de nós. Talvez sejamos tão parecidos com Sofia, assustados ante o espelho, incompreendidos e sem o controle sobre a própria energia que emanamos. Isso ocorre porque não exercitamos o controle e a atenção diante dela. Deixamos, irresponsavelmente, esta tarefa com os outros. Com o chefe, a namorada, os amigos, o síndico do prédio.

Talvez não façamos como Platão: Ele diria que este espelho divide-se entre o mundo dos sentidos e das idéias. Ele está, perambula no mundo efêmero dos sentidos, mas em apenas uma parte ínfima dele. A outra, seu prisma mais tênue e translúcido, onde mora toda a luz e essência, esta não é captada pelas fibras do metal… ela pertence a um saber que não se prende ao frívolo instante da matéria e onde muitas vezes os espelhos não revelam, apenas projetam e refletem, o que não significa "revelação". Está num tempo sensível, não tão cronológico, mas num tempo abstrato que "exercita" os pensamentos e não simplesmente os fazem transcorrer…como seria o normal, o óbvio.

E este mundo não está tão acessível, apesar de ser tão real quanto o dos sentidos. Há que se esforçar para perceber o que há por trás dos sentidos. Lá, se esconde o verdadeiro conhecimento sobre nós mesmos e provavelmente todo o potencial que os espelhos não mostram ou revelam, pois ainda estão a ser conquistados. 

Saber de verdade? Ah, isso jamais saberemos, mas, na utopia do saber, o que vale é procurar, romper as barreiras e limites. Se necessário, quebrar espelhos, ora bolas, …. às vezes até com as próprias caretas! Ah! que assim seja.

PS: os comentários sobre a Teoria de Platão são apenas ilustrativos e de interpretação do autor. Para obter informações completas leiam a Teoria de Platão. PLATÃO. Platão: Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

 
Sobre o Autor:
Maryjane Oliveira Maryjane Aleluia Oliveira, 26 anos é graduada em Comunicação Social. Atua em ações de Marketing e Redação publicitária em Salvador e grupos de estudos em Comunicação e Cultura contemporânea. Blog: http://quitepas.blogspot.com

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